Sou mineiro de Londrina, radicado em Curitiba. Comecei a conhecer essa cidade em Balneário Camboriú, que já era a praia de muitos curitibanos nos anos 70 e meados dos anos 80. Foi minha prima, Cristiane, curitibana nata, essa sim, quem me carregou pelas mãos. Ela me apresentou a Sorveteria Effes, onde os curitibanos tomavam suas bolas de sorvete. Meu primo, Marcelo, também me mostrou a Curitiba de Balneário: com ele, aprendi a jogar fliperama, andar de kart e sair no tapa com a molecada de Curitiba, na pracinha atrás do prédio. Éramos dois piás e entrávamos em qualquer briga, só pelo bel prazer de lutar.
Veio então a Curitiba das férias de julho. Eu já era um adolescente quando minha prima, Isabela, me apresentou o Cine Condor, o filme era “O Poderoso Chefão III”. Saímos na Cruz Machado, depois da sessão, junto com minha irmã – Chris – e a neblina descia densa, envolvendo os postes de luz amarela. O frio me pegou atravessando a Cruz Machado e eu nunca mais acostumaria ao clima quente do norte.
Anos depois, finalmente nos mudamos – meus pais, minha irmã e eu – para essa capital. Coincidentemente, fomos morar na Saldanha Marinho, a três quadras do Cine Condor. Como calouro de comunicação da Federal, a Rua XV virou minha passarela de casa para a faculdade. À noite, Curitiba começava no Rebellion, na Praça Espanha, e terminava no Potato, na Av. Paraná. No meio do caminho haviam o Frisco, o Dolores Nervosa, Joe, Dromedário, Bife Sujo, Tragos Largos, Circus e é melhor parar por aí.
Mas eu gostava mesmo era de perambular pelas ruas do centro de Curitiba, como gosto até hoje. Ninguém me conhecia, aprendi a ser um fantasma boêmio, uma pedra rolando. Com as minhas primas, Carolina, Patrícia e Cristiane, passei a aparecer nas festinhas e rever pessoas com nome, sobrenome e até RG. Meu tio, Ciro, apresentou-me a literatura e arte locais. Ele também me falou dos restaurantes, seus frequentadores e dos melhores pratos, quem eram os garçons mais bacanas, como eu nunca havia ouvido antes nesse logradouro. Contou-me, sempre com muito senso de humor, algumas das melhores histórias desses lugares. Despontava, para mim, uma nova Curitiba.
Certo dia eu li, era um livro do Dante Mendonça, sobre a Banda Polaca. Passei a prestar atenção em figuras como Mazinha, Solda, Lina, Maí, o próprio Dante. Trata-se de uma turma numerosa de jornalistas, cartunistas, escritores, fotógrafos e carnavalescos de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Acompanhei seus debates pelos jornais, pelas Redes, e tive a oportunidade de sentar em volta das mesas onde eles debatiam pessoalmente, olho no olho. Então eu li “Curitiba, Melhores Defeitos, Piores Qualidades”, também do Dante. Lembro do início do livro, quando um cacique-pajé, cercado de um grupo de pioneiros, parou no meio de uma planície, a 900 metros de altitude, e estacou seu cajado no exato local onde hoje está a Praça Tiradentes. O cacique fez uma exclamação em sua língua nativa e todos pensaram que ele exclamava: “é aqui!”. Estava estabelecido o ponto zero da futura capital paranaense. Mas veio o tradutor e esclareceu. O cacique, na verdade, havia exclamado: “tragam o Arquiteto!”. A história, segundo Dante, era mais ou menos assim. Não me lembro perfeitamente, mas que história realmente boa pode ser contada em linha reta? Certamente não uma história de 324 anos. São três séculos entre a chegada do cacique e a minha.
Finalmente conheci o Arquiteto. Foi também por causa de outro livro do Dante: Botecário – o Dicionário de Botecos. Perguntei ao Dante: “mas o Jaime gosta de um boteco?”. O Dante deu risada e me passou o número do Jaime. Passei a rodar alguns botecos com o Arquiteto e adquiri todo um novo olhar sobre essa cidade planejada a muito custo. No Instituto, fui apresentado a outros arquitetos e urbanistas, de gerações mais recentes: Fernando Canalli, Felipe Guerra. É bom saber que eles estão por aqui, envolvidos com o urbanismo e até com o carnaval na cidade.
Por essa época, já estava envolvido com os eventos e a produção cultural. Mergulhei na gastronomia e descobri que Curitiba tem raízes e tendências cosmopolitas para todos os lados. A cidade respira tendências e as devolve com igual ou maior intensidade. Isso nas mais diversas manifestações: da Arte à Gastronomia, da baixa à alta, sempre com igual paixão e devoção.
No meio musical, fui apresentado a João Egashira, Glauco Solter, Sérgio Albach, Julião Boêmio, Marcela Zanette, Daniel Miranda. Tive a imensa Sorte de ser apresentado ao Ricardo Salmazo que, mais tarde, me apresentou o Samba do Compositor Paranaense e o Sindicatis. Esses dois projetos mudaram completamente a minha forma de enxergar a música por aqui e no mundo. Conheci e trabalhei com a Maytê Corrêa. Tornei-me fã das rodas de choro e do Grupo Choro & Seresta. Também descobri o Mano a Mano Trio, o Trio Quintina e o Alexandre Nero e a Maquinaíma, o Riado – no Ponto Final – que embalaram algumas das minhas melhores noites ao longo de muitos anos. Havia a banda Blindagem, a Reles Pública, Resist Control, Beijo AA Força e por aí vai.
A certa altura e em ritmo impositivo, à partir das Redes Sociais a sombra da política passou a fazer parte das pautas. Por mais que eu tentasse fugir, era como naqueles versos do Juraildes da Cruz: “eu pensei correr de mim, mas aonde eu ia eu tava. Quanto mais eu corria / mas pra perto eu chegava.” Da política local, preciso confessar: eu gosto de ler o Miau Carraro chamando o Greca de Valdirene, de alcaide, dou muita risada, divirto-me logo pela manhã. Gosto de ler o Beto Madalosso dando os primeiros passos como ensaísta, cronista e escritor de opinião. Me atrai a coragem dele, sua exposição à partir dos próprios escritos, o jeito que ele “pensa em forma de texto”, como ele mesmo já declarou.
Falando em textos e em cultura, gosto de ler o Sandro Moser na Gazeta do Povo, como ele garimpa e presenteia o leitor com informação sobre música, artes e espetáculos. Foi na casa de amigos – Lu e Crivano – que descobri que o Moser sabe tocar violão. Aos meus olhos meio bebuns – entre teclados, guitarra e violão – o Moser era Joe Cocker, Gordon Gano, Tom Waits.
Finalmente, eu gosto da Curitiba de Luis Henrique Pellanda, meu contemporâneo de UFPR, como vim descobrir recentemente. As crônicas desse autor trazem de volta a cidade onde desembarquei, tantos anos atrás. O centro e a Rua XV, as Praças Osório, Tiradentes e Santos Dumont, ou “Pracinha do Amor”. Essa sita à Rua Saldanha Marinho, diante do antigo Cine Condor, no caminho entre o Edifício Colombo e o antigo prédio da UFPR. Essa é a região onde a cidade converge na Curitiba que desembarquei, mineiro, vindo de Londrina, no norte do Paraná.